Construído em apenas 13 meses, não obstante a dificuldade técnica, o prédio do Teatro Villa-Lobos concentrava o que havia de mais moderno para um espaço teatral no Brasil. O edifício foi inaugurado em março de 1979, no final do governo Faria Lima (os mandatos começavam e terminavam no dia 15 de março), ainda sob o contexto da narrativa do “Brasil Grande”, da ditadura militar.
Antes da construção, no grande lote da avenida Princesa Isabel, bairro de Copacabana, funcionava a “sede” de uma escola de samba da zona sul carioca. Em 1974, o então governador do desaparecido estado Guanabara, Chagas Freitas, permitiu que o terreno fosse ocupado pela escola de samba Unidos da Zona Sul, onde a agremiação construiu sua quadra de ensaios.
Chagas Freitas, político populista que ficou conhecido pelo suposto uso da máquina pública para fins eleitorais, criando uma rede de clientelismo, apelidada de “política da bica d’água", foi o último governador da Guanabara e o segundo do “novo” Estado do Rio. Provavelmente, com o fim do mandato do “padrinho”, e isso é uma conjectura deste autor, o então presidente da escola, um policial apelidado de “Formiga”, acabou perdendo o terreno.
A Funterj, antiga Fundação de Teatros do Rio de Janeiro, criada em abril de 1975, foi a responsável pelo planejamento e financiamento do novo teatro. Só em dezembro de 1979 será formada a Funarj, Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro, a qual é o resultado de uma fusão da Funterj com a Femurj, Fundação Estadual de Museus do Rio de Janeiro. Durante os quatro anos do novo Estado, ex-Guanabara, a atuação da fundação se destacou pela execução de obras, como a reforma do Teatro Municipal do Rio, do Teatro João Caetano e a construção do Villa-Lobos. Nem tanto por uma “política cultural”, de fomento e organização da atividade teatral estadual.
A nova Fundação de Teatros, então presidida por Adolpho Bloch, contratou a empresa Wrobel para a construção e montagem do novo aparelho cultural do Rio, estado em eterna luta por mais espaços decentes para apresentações teatrais. A gestão de Bloch foi criticada por opções heterodoxas e por se envolver em polêmicas típicas das licitações de obras no Brasil. Segundo o jornal "Pasquim”, em nota de Mário Augusto Jakobskind, autor do livro “Violência Política e Corrupção” e depoente na CPI da “especulação imobiliária”, de 1978, em Brasília, a gestão de Adolpho Bloch teria supostamente transformado a Funterj “numa ação entre amigos”. Em resposta, desmentindo, Bloch publicou artigos e notas na revista Manchete e em outros órgãos de imprensa.
O prédio do novo teatro, obra do arquiteto Raphael Matheus Peres, de 1977, foi idealizado por Adolfo Bloch, construído em pouco mais de 1 ano com a ajuda de 120 operários e inaugurado em 8 de março de 1979. No terreno passa o interceptor oceânico, coisa que dificultou o estaqueamento de sustentação.
Em estilo brutalista, com arcadas de concreto aparente na fachada, o hall de entrada tinha duas escadarias de granito e portas corta-fogo. No interior, tudo de mais moderno para a época, muito granito, vidros “Blindex”, aço escovado, tijolos aparentes. O interior todo em veludo, vermelho nas poltronas e preto nas paredes. As forrações com detalhes em cerejeira e louro, tudo anti-inflamável.
A parte mais alta do teatro tinha 20 metros de pé direito. O palco foi revestido com “Climatex" (material isolante acústico e térmico). A acústica foi idealizada e executada pelo engenheiro Roberto Thompson. A iluminação cênica, importada da Bélgica (firma belga ADB), com 200 refletores e uma mesa de controle eletrônico de 120 canais. Seu piso, desmontável, estava sobre três grandes salas de ensaio. A cabine de som (com 16 canais) e de luz eram frontais.
Um ar condicionado central potente refrigerava todos os espaços do teatro. O palco tinha 11 metros de abertura de boca e 10 metros de profundidade. O fosso da orquestra, que podia ser fechado, tinha 80 metros quadrados. Ao lado, na arcada lateral, ficava a Sala Monteiro Lobato, um teatro de fantoches para crianças. No acervo do teatro, uma obra de Alexander “Sandy” Calder, possivelmente um de seus móbiles, comprados ainda no governo Carlos Lacerda.
Na inauguração, 8 de março, foi realizado um espetáculo em homenagem ao grande maestro Villa-Lobos, organizado por Carlos Kroeber. Finalmente, no dia 15 do mesmo mês, foi a vez da estreia teatral, com a peça “Pato com Laranja", uma comédia ligeira de William Douglas Home, dirigida por Adolfo Celi. No elenco, Paulo Autran, Marília Pêra, Dennis Carvalho, Rosita Tomás Lopes e Karin Rodrigues.
Depois de três décadas de funcionamento, o teatro pegou fogo no dia 6 de setembro de 2011. Anos de promessas não cumpridas por governadores de triste memória, abandono e depredações, deixaram apenas a carcaça do edifício. Em 2023, a Funarj apresentou um projeto de reconstrução do teatro numa audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Nos planos, aportes da iniciativa privada, via Lei Rouanet, para reerguer o prédio que, infelizmente, permanece em ruínas até hoje.
Para nota de Mário Augusto Jakobskind, veja O Pasquim. 1979, ed. 507, p.7;
#teatro #villalobos #funterj #funarj #bloch #cultura #zonasul #copacabana #pasquim #pauloautran #mariliapera #williamdouglashome #leirouanet #patocomlaranja #chagasfreitas #farialina #guanabara #riodejaneiro #memoria #historia #unidosdazonasul
Flavio Santos
Commenti