Nesta edição chegaremos na terceira parte de nossa série, onde falaremos dos mais importantes adventos do século XIX.
1888 - Abolição da escravatura na Bahia
O Brasil foi o último bastião da escravidão nas Américas. Estudos apontam que em 1886-87 na província da Bahia viviam 76.838 cativos ou cerca de 10% de toda a população escrava do país.
Os proprietários baianos se aferraram ao trabalho escravo até “as vésperas da abolição”. A maioria das grandes fazendas mantinha ainda os cativos como mão de obra fundamental.
Muitos daqueles escravocratas baianos foram surpreendidos pela lei que aboliu de forma imediata e incondicional a escravidão. Alguns consideraram a abolição “um ato arbitrário da representação nacional”. Sabiam das discussões no parlamento, mas não imaginavam que seria aprovada a abolição sem uma lei que obrigasse os libertos a trabalhar.
É que a lei de 13 de maio significou uma ruptura na estratégia de emancipação gradual adotada pelo Brasil. A Lei do Ventre Livre, de 1871, garantia poder senhorial sobre os ingênuos até 21 anos e a Lei dos Sexagenários, de 1885, previa 13 anos para a extinção da escravidão. A chamada Lei Áurea foi aprovada às pressas, em resposta à deserção dos escravos das fazendas e ao movimento social de massa que o abolicionismo se tornou.
Há quem diga que a Princesa Isabel, na ocasião como Princesa Regente (graças a uma doença de seu pai o Imperador Dom Pedro II), aproveitara a ocasião para assinar a Lei Áurea, que a tempos a sociedade e a Família Imperial almejavam. No entanto não previa, como queriam os proprietários de escravos; indenização ou dispositivos que forçassem os libertos a permanecer trabalhando nas fazendas.
Na Bahia, a aprovação da abolição provocou diferentes reações. Muitos proprietários ficaram em choque, não só pela abolição, mas também pelas atitudes de autonomia e independência dos libertos no imediato pós–abolição. Para muitos “ex-cativos”, a extinção da escravidão ensejaria também o acesso à terra e o fim de hierarquias raciais. Um subdelegado escreveu informando que “o contágio das ideias perniciosas do comunismo queria surgir de chofre no distrito, depois da Lei Áurea”. Circularam várias notícias de invasão de terras, em geral pertencentes ao “ex-senhor”.
Como nos Estados Unidos, aqui uma das expectativas de liberdade era possuir um pedaço de terra para plantar - “a distribuição de terra parecia ser uma consequência lógica da abolição”.
Para muitos, ser livre significava trabalhar para si (na sua própria terra, na pesca, no trabalho ambulante), garantindo o controle sobre o tempo e o ritmo do trabalho. Vender a força de trabalho por um módico salário em condições semelhantes às vivenciadas no cativeiro, pode não ter sido o sonho de liberdade dos egressos da escravidão.
O que explica um pouco a momentânea “perturbação”/desorganização do trabalho no imediato pós-abolição; alguns engenhos não concluíram a safra porque muitos libertos abandonaram as fazendas - se recusavam a trabalhar nos mesmos moldes da escravidão.
Muitos se dirigiram para Salvador, Santo Amaro e Caravelas logo após a aprovação da lei - “na cidade, a liberdade é mais livre”.
Os planos do Imperador Dom Pedro II para os escravos libertos após a abolição da escravatura incluíam:
Acompanhar a Lei Áurea com leis que garantissem o direito privado à terra para os “ex-cativos”.
Apoiar os planos econômicos de André Rebouças, que visavam a reforma agrária e a qualificação da população nativa para o trabalho industrial.
Os anos de 1888 e 1889 foram marcados por conflitos entre ex-senhores, polícia e libertos e também por protestos e resistência individual dos ex-cativos que se expressaram no que os fazendeiros e autoridades chamaram de “desobediência e insubordinação”.
As festas dos 13 de maio, em especial, tornaram-se objeto da atenção policial; vistas como espaços de desordem e confusão, aí se materializaram desafio a ex-senhores e autoridades locais. A festa tornou-se então um meio de protesto político em uma conjuntura de extrema politização e disputas sobre os significados que a liberdade deveria assumir.
No pós-abolição, a Bahia experimentou a “politização da vida cotidiana” e os chamados 13 de maio, disputara palmo a palmo os significados da liberdade.
Um liberto no sul da Bahia estava na porta de casa falando impropérios contra as autoridades e gritando para os policiais “que podia fazer o que quisesse, pois era livre”. Foi preso, mas não deixou por menos. Entrou com um processo judicial contra a prisão ilegal. Esses protestos e pequenas rebeldias dos libertos, a micropolítica do cotidiano, como resistir à prisão, afirmar-se livre, admoestar publicamente conhecidos escravocratas, assumir filiação partidária, questionar prisões arbitrárias ensejaram batalhas políticas e judiciais que desafiaram os limites da liberdade, e forjaram percepções de direito e cidadania no pós-abolição.
1889 – “Proclamação” da República na Bahia
Em 17 de novembro de 1889 foi “proclamada a República na Bahia”, no Forte de São Pedro, dois dias após a data de referência nacional. O governo provisório foi chefiado por Deodoro da Fonseca. O vice chefe foi Ruy Barbosa.
Pouco se produziu sobre a historiografia do movimento republicano na Bahia, sempre justificado pelo argumento de que a Bahia foi a última província a aderir ao novo regime ou de que, após o advento da república, os velhos políticos do antigo regime se reposicionaram no poder.
Segundo Brás do Amaral, o primeiro clube republicano da Bahia foi inaugurado em 1876 e sofreu imediata repressão do presidente da Província, mas, naquele mesmo ano, apresentou candidatos às eleições municipais.
Outros centros republicanos surgiam e despareciam com certa efemeridade, a exemplo do Clube da Academia de Medicina da Bahia e o Clube Republicano Federal, este último fundou o Partido Republicano com publicação do seu primeiro manifesto em 1889.
Fontes:
Arquivo Nacional
Biblioteca Nacional
IPHAN
UFBA
André Conrado - colunista da Revista do Villa
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