O turismo, uma das principais atividades econômicas da atualidade, floresceu na Bahia, Terra Mater do Brasil, de forma pouco estruturada, aproveitando-se da diversidade dos seus atrativos. Contando com uma costa litorânea de 1.110 quilômetros, o maior do país, sítios histórico-coloniais, amplas belezas naturais e ricos bens culturais, a Bahia, antes mesmos de contar com algum aparato institucional de promoção do turismo, recebia visitantes regionais e também oriundos das mais diversas partes do mundo.
Até os anos 1950, a iniciativa da Prefeitura Municipal do Salvador de implantar a pioneira Secção de Turismo da Diretoria do Arquivo e Divulgação, organismo de pequeno porte, direcionado ao apoio a eventos significativos do calendário de festas populares e fornecimento de informações sobre a cidade às poucas agências de viagem existentes, o turismo desenvolvido no estado pode ser caracterizado como eventual, pois recebia fluxos esporádicos.
Entre os visitantes destacavam-se os frequentadores das estâncias hidrominerais existentes na Bahia – Itaparica, Olivença, Águas de Cipó e Caldas do Jorro –, em geral procedentes do entorno regional, sendo também identificados estrangeiros em visita à capital, ainda que de forma não habitual. Estes últimos chegavam em cruzeiros marítimos realizados em grandes transatlânticos.
Hoje denominado turismo doméstico era praticamente desconhecido naquela década. Embora a Bahia – e, mais especificamente, Salvador – contasse à época com algum suporte privado mais estruturado para a atividade, como o Hotel Chile, edificado em princípios do século XX, que se vangloriava de ter a preferência de Ruy Barbosa, e o Palace Hotel, primeiro hotel de luxo da cidade, construído em 1934, o receptivo local, assim como o próprio turismo, apresentava um caráter amadorístico. Os navios que aportavam em Salvador traziam visitantes de países longínquos, como a Rússia, e personalidades ilustres, como o cineasta norte-americano Orson Wells e atores de Hollywood, os quais eram atendidos por um pequeno grupo de moradores da cidade, que, possuindo algum conhecimento do idioma inglês, mas, sobretudo, da história local, os esperavam no cais do porto e os guiavam por um tour histórico na cidade, com visitas ao Pelourinho, igrejas de São Francisco e do Bonfim, dentre outros pontos atrativos. Esse grupo era composto de alguns intelectuais baianos, como Cid Teixeira, Carlos Vasconcelos Maia e José da Mota e Silva.
Gradualmente, o receptivo baiano inicia sua estruturação com o objetivo de atender ao fluxo eventual de turistas. As primeiras atividades receptivas no estado foram desenvolvidas pela Bahia Turismo, empresa criada em fins da década de 1940 e sediada no Centro Histórico de Salvador, na Rua do Taboão. De propriedade dos Tarquínio, família baiana tradicional, a gestão da Bahia Turismo ficou a cargo de Vera Wissing Andersen, dinamarquesa que chegara à Bahia procedente de Belém do Pará, durante a Segunda Guerra Mundial, acompanhando o seu marido, o engenheiro Niels Borge Wissing, contratado pela Panair para construir o aeroporto de Salvador. Dentre seus feitos, Vera Andersen conquistou o mercado norte-americano, passando a deter a representação da American Express, à época uma importante transportadora de passageiros dos Estados Unidos para a Bahia, por via marítima; recebeu um representante da Thomas Cook – maior agência de viagem em escala mundial no período –, demonstrando-lhe a capacidade local de oferecer atrativos que poderiam justificar a inserção de Salvador nos roteiros dos navios da companhia.
Nesse período surgem os primeiros registros do turismo na Bahia, onde, apesar das iniciativas referidas, o caráter amadorístico permanece. A Secção de Turismo tinha um âmbito de atuação muito restrito. Inexistiam guias de turismo qualificados para a função de recepção; esta atividade quando não realizada por estudantes era exercida por senhoras da sociedade baiana, que dominavam idiomas estrangeiros.
A hotelaria era pouco expressiva e o acesso à capital baiana dava-se, principalmente, por via marítima e, em menor escala, por aviões, e através das conexões da navegação flúvio-marítima (a vapor e a vela) com as ferrovias, que beneficiavam, sobretudo, as atividades comerciais.
No turismo interno, o Touring Clube do Brasil, fundado em 1924, tendo como missão “Revelar o Brasil aos brasileiros”, através, dentre outras ações, do desenvolvimento do turismo interestadual, desde a década de 1930 passa a realizar cruzeiros turísticos entre as principais cidades brasileiras, observando, porém, a inadequação do cais do porto de Salvador para a atracação de transatlânticos.
A falta de estrutura do turismo, entretanto, era de certa forma compensada pela atratividade da Bahia e, especialmente, de sua capital, frente ao restrito fluxo de visitantes, sobretudo o segmento internacional. Como relata o escritor Stefan Zweig, em sua visita ao Nordeste brasileiro em 1940, o verdadeiro encanto da Bahia residia no seu caráter genuíno, na convivência do “velho e novo, presente e passado, luxuoso e primitivo... emoldurando uma das mais tranquilas e aprazíveis paisagens do mundo”
A Bahia de então era a dos jovens Dorival Caymmi e Jorge Amado, Pierre Verger e Carybé. A Bahia pitoresca que estava à espera de visitantes para a festa cotidiana; uma tipificação da tradicional Bahia, encarnada na cidade do Salvador, com seus candomblés, saveiros, “magros e feios arranha-céus modernos”, a feira de Água de Meninos, gastronomia típica, mistérios, folguedos populares, mas, também, pobreza e fome.
A Bahia que encantou intelectuais e artistas que a adotaram como tema de suas obras, a exemplo do próprio Amado, com seus romances e já então consagrado com a música O que é que a baiana tem? (1939), na voz de Carmen Miranda.
Na próxima matéria, falaremos das primeiras experiências baianas no planejamento turístico. Não percam!
Fontes:
BAHIA – Setur
BAHIA TURISMO
IPHAN
Prodetur Nacional
André Conrado
Cidadão do mundo, carioca de nascimento e atualmente residindo em Salvador/Bahia; profissional de múltiplas habilidades. Hoteleiro de formação, com pós-graduação em Gestão de Turismo, estudou em Boston/USA. Apaixonado por artes, história e viagens, é apreciador de relíquias mundo afora. Com gosto e senso de humor apurado, busca incessante conhecimento em diversas Áreas e Gestão em Hospitalidade. Em sua coluna “ Relíquias da História “ na Revista do Villa, irá levar ao leitor uma verdadeira viagem pela história e o conhecimento.
A Bahia desperta interesse de todos os brasileiros. Maravilhoso ler textos ricos e bem escritos deste tema nesta revista!
(Mariana Ribeiro)