Escritora e engenheira florestal, membro da Academia Poética Brasileira e colunista do Facetubes. Autora do Luas & Hormônios (Secretaria do Estado da Cultura, 2010; Selo Marianas, 2020) e do Crônicas de Uma Jornada Florestal (Grupo Caravana Editorial, 2024); coautora do Entre Botânicas Decoloniais: As frutas silvestres de H. D. Throreau e frutas brasileiras (Appris, 2022), organizadora e autora da coletânea Tuíra (Amazon, 2020; Uiclap, 2022) e 4° lugar (prosa) do 1° EKOPOLIS- Prêmio TILDEN SANTIAGO de Ecologia e Política.
1 – Em sua visão, quem é Joema Carvalho?
A Joema é uma pessoa em constante processo de mudança, que teve que aprender a lidar com as suas polaridades e paradoxos.
2 - Como iniciou a sua trajetória pela escrita? E quais temas te inspiram a escrever?
Comecei a escrita antes de saber escrever, meus pais escreviam os meus poemas. Tive poeminhas desta época, década de 80, publicados no caderno “Jornalzinho” da Folha de São Paulo, um dos poemas era “Peixes”, o contexto do poema era a poluição do mar, já tinha preocupação com meio ambiente.
Durante o segundo grau, tive o primeiro contato com os termos técnicos e adorei estas palavras, a sonoridade delas, eram incomuns. Passei a escrever poemas utilizando termos de biologia, matemática, química e de física.
Como o vocabulário do meu dia a dia é o da minha formação, engenharia florestal, passei a utilizá-lo na minha escrita.
Em 2019, descobri a ecocrítica, que é uma linha da literatura relacionada ao meio ambiente. Participei de uma disciplina como ouvinte e dando suporte técnico de engenharia florestal para o professor. Isto ampliou a possibilidade de textos, dentro da linha do que, intuitivamente, ja vinha fazendo. Hoje faço parte do Grupo de Ecocritica – GECO da UFPR. Fui convidade pelo coordenador para ser coautora do livro Entre Botânicas Decoloniais: As frutas silvestres de H. D. Throreau e frutas brasileiras (Appris, 2022).
A questão ambiental é algo natural e gostoso para mim. Não escrevo só isto, mas é o que caracteriza o que escrevo.
3 - Você também é Engenheira Florestal. O que a levou a escolher essa profissão? Conte-nos um pouco sobre seu trabalho nessa área.
Então, chegou a hora de decidir o que eu queria ser quando crescesse, mas eu estava confusa. Em função da escrita, o óbvio seria Letras, Jornalismo ou Direito, mas não quis.
Fiz um teste vocacional e o resultado foi que eu tinha habilidade para qualquer área. Assim, o meu critério foi definir um curso que misturasse as ciências. Defini arquitetura e engenharia florestal. Descobri no Manual do Estudante o curso de engenharia florestal, um mês antes da inscrição do vestibular. Acabei fazendo engenharia florestal porque não passei na previa de arquitetura. Trabalho em parceria com arquitetos, hoje sei que não teria perfil para ser arquiteta...
Fiz então, engenharia florestal e também mestrado e doutorado em engenharia florestal, direcionei para ecologia e minha pesquisa foi com dinâmica de ecossistemas, o que achei fantástico. Aprofundei o olhar para como os ambientes naturais se organizam, como os elementos e fatores se adaptam as adversidades naturais que o próprio ambiente impõe.
Trabalhei em projetos de pesquisa, tenho artigos nacionais e internacionais publicados e atuo como consultora ambiental, tenho minha empresa a Elo Soluções Sustentáveis.
4 – Você é autora dos livros Luas & Hormônios e Crônicas de Uma Jornada Florestal. Como foi o processo de criação das suas obras? E onde podemos adquiri-las?
O Luas & Hormônios foi selecionado e editado através de um projeto da Secretaria do Estado da Cultura em 2010, ainda tenho alguns exemplares impressos que podem ser adquiridos diretamente comigo, através de contato por email (joemacarvalho@gmail.com), Instagram e Facebook (@joemacarvalho_literatura). O livro também foi editado pelo selo Marinas, em 2020, eBook disponível na Amazon: https://www.amazon.com.br/Luas-Horm%C3%B4nios-Joema-Carvalho-ebook/dp/B08P1Z987P.
Este livro contem poemas desde quando comecei a escrever. Arrisquei submeter ao projeto da Secretaria e fui selecionada. Para agrupar os poemas de diferentes épocas, dividi o livro em canteiros/capítulos: Flores de Ervas Cheirosas; Flores do Cerrado, da Caatinga, do Deseto, do Lodo; Flores da Infancia e Flores do Amor.
Em relação ao livro atual, eu seguia a editora Caravana Grupo Editorial no meu Instagram e vi o projeto desta editora com edital aberto para seleção de livros para serem traduzidos para o espanhol, com lançamento em Buenos Aires. Enviei o Luas & Hormônios. Após primeira reunião, fiz contato com o editor, disse que tinha outros livros. Ele sugeriu lançarmos um livro inédito em portugues e em espanhol.
Achei excelente a ideia, assim nasceu o Crônicas de Uma Jornada Florestal, disponivel no site da editora na versão em portugues e em espanhol: https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/cronicas-de-uma-jornada-florestal/ e https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/cronicas-de-una-jornada-florestal/.
As crônicas são resultados de viagens, principalmente, pelo Brasil, onde abordo detalhes das paisagens, conflitos humanos, o nosso tamanho e a nossa capacidade de controle sobre os elementos e fatores ambientais. O sentir enquanto uma forma de comunicação entre os seres não-humanos. O tempo do planeta e nosso tempo, o processo de construção e desconstrução inerentes ao processo geomorfologico do planeta, as mudanças climáticas como parte integrada aos processo naturais dos quais fazemos parte, o paradoxo de nossa existência, compôem as crônicas.
5 - Crônicas de Uma Jornada Florestal também teve uma versão publicada em língua espanhola, em Buenos Aires. Como foi lançar seu livro em um país estrangeiro? E qual foi a recepção do público?
Foi uma experiência incrível ter o livro traduzido para outra língua. Dei trabalho para o tradutor, meu livro possui várias notas de rodapé dele. Para nós é simples entender o que é um caiçara, quilombola, um guanandi, uma peroba, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, o Parque Nacional do Descobrimento; rios Tibagi, Paraná, Guaíba, São Francisco, Solimões, entre outros. Através da tradução, senti que através do Crônicas de Uma Jornada Florestal contribuo com a divulgação do nosso país, da sua diversidade de ambientes e de paisagens, que refletem a diversidade de espécies, ecossistemas e etnias.
Em Buenos Aires foi excelente. A Caravana organizou uma programação ótima. Participamos de mesa redonda. Estivemos na livraria Ateneu, que é lindíssima e tradicional de Buenos Aires. Fizemos o percurso do Jorge Luis Borges, em San Telmo e estivemos na 48° Feria Internacional del Libro de Buenos Aires participando de um sarau no stand do Brasil.
Estou tendo um retorno ótimo de quem está lendo, inclusive pessoas têm adquirido outros exemplares para dar para conhecidos. O livro está sendo prestigiado por colegas e professores da engenharia florestal também.
Para o autor, lançar um livro é uma incerteza, o retorno tem sido muito bom.
CHEIRO DE CEDRELA
a densidade vem do tempo
casca grossa
essência se faz no vento
brisa que escorre
seiva elabora
expele bruta
xilema
do floema
minerais caminham pelo corpo
cristais refletem
dinâmica e clorofila
donde transmuto oxigênio
sou várias com as estações
recolho-me no frio
sou galhos e ramos
descolorida
retomo minha função
quando tudo é nascente
findo em flor
frutifico por meses
não me canso
capto a luz que chega em feixes
dispersas entre as folhas
busco como posso
os raios que me nutri
deixo de ser ombrófila
chego ao dossel
e me espalho
plena de quem sou
6 – Você exerce a função de Diretora da Elo Soluções Sustentáveis, empresa de consultoria socioambiental localizada em Curitiba, no Estado do Paraná. Fale-nos um pouco sobre a sua atuação na empresa.
Atuo com licenciamento ambiental de obras de empresas, indústrias e pessoas físicas. Meu trabalho depende da anuência de órgãos públicos. Atuo com soluções, gestão, regularização e alinhamento ambiental de empreendimentos.
7 – Para escrever bem, é necessário ler bem também. Partindo disso, quais autores você mais gosta de ler? Algum deles influenciou na sua escrita?
Concordo, a escrita é dependente da leitura. São vários os autores que gosto de ler, mas os que influenciam o que escrevo, dentro da linha que sigo são Mia Couto, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Manoel de Barros, João Cabral de Melo Neto e Shakespeare (principais). Gosto de ler Isabel Allende e Umberto Eco também, além vários outros.
8 - A sustentabilidade ambiental sempre foi um tema de suma importância, visto que a natureza tem sido fortemente impactada pelas ações humanas. Na sua opinião, quais ações podemos praticar para manter o equilíbrio do ecossistema natural?
Vou colocar o que considero a nível de indivíduo (“nós”). Considero que adotar a prática de ser um indivíduo que busca a melhoria física, mental, emocional e espiritual é fundamental neste processo. Alimentação saudável é diretamente relacionada a questão ambiental, por exemplo. Veja a quantidade de embalagem, aditivos, corantes, conservantes de um fastfood, congelado ou processado. Isto implica em processo industrial pesado, uso de energia e de água em excesso. O que faz mal para o humano faz mal para o meio ambiente. Um ser humano que pratica esporte regularmente, reduz a necessidade de uso de remédios, o que também implica em um processo industrial enorme e gera dependentes químicos.
Ter a consciência do limite e do não limite saudáveis, do até onde posso expandir e do até onde devo respeitar o espaço do outro, independente da espécie, assim como, a consciência do “para quê” são fundamentais para o equilíbrio do ambiente. A consciência do relativo e do incerto, diretamente relacionados ao nosso tempo, a nossa proporção, a necessidade do controle do outro e do todo, estão diretamente relacionados a questão ambiental e a sustentabilidade pessoal e a do Planeta.
Colocar na rotina um “banho de floresta” ou shinrin-yoku nos integra a essência e a ideia de sustentável. No Japão, é a prática para quem deseja ter contato mais próximo com a natureza ou simplesmente passar um tempo em uma floresta para relaxar, tendo como objetivo o bem-estar físico e mental.
DECÍDUA
O outono chega
Como as outras estações
Sem pedir licença
Deixa-me nua
Ao vento que começa se tornar gélido
Correntes que vêm do Sul
Vejo-me em tons de marrom
Tonalidades secas
Vou direto ao chão
Camuflo-me com o substrato
E não me reconheço mais
Em meio ao que fica na superfície
Decomponho-me
Mantenho o ciclo
A fertilidade continua
Só penso em entregar-me
Angústia diante do processo que se inicia
Que ainda não é o pior
Desfaço-me
Contenho minha energia
Vejo todo o plano recolhendo-se
O vento é mais forte
Sementes aladas completam o que vejo
Minha seiva elabora
Expele o que é bruto
Vou passar nua e inteira
Pelo momento adverso
Em essência, entendo
O que vou expor na primavera
Douglas Delmar
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