“Ao abordar a doença sob todos os aspetos possíveis, conseguiremos uma compreensão mais próxima da realidade”, defendeu o Prof. Dr. JOSÉ LUIS ARRANZ GIL, presidente fundador da Academia Portuguesa de Fibromialgia.
Terá início em novembro uma nova formação na área da saúde na Covilhã. Trata-se do “Curso de Formação e Atualização sobre Fibromialgia, Síndrome de Sensibilidade Central e Dor Crónica”, uma iniciativa organizada em colaboração com o Centro Académico Clínico das Beiras, a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior e a Academia Portuguesa de Fibromialgia. Este curso inovador tem previsão de início das aulas no próximo dia 9 de novembro e será ministrado no Anfiteatro Amarelo da Faculdade de Ciências da Saúde da UBI.
A formação terá uma carga horária de 30 horas e estará sob a responsabilidade dos professores doutores Miguel Castelo-Branco, José Luis Arranz Gil e José Martinez de Oliveira, todos professores na UBI, e terá a participação de especialistas de renome nacional e internacional na área da fibromialgia.
Para compreender melhor a importância da realização deste curso para o desenvolvimento académico da região e para a valorização dos profissionais de saúde portugueses, conversamos com o Prof. Dr. José Luis Arranz Gil, presidente fundador da Academia Portuguesa de Fibromialgia e professor na UBI, que destacou a missão do curso que é “aumentar o reconhecimento e a compreensão sobre a fibromialgia, melhorando a abordagem e os tratamentos para os nossos doentes”, além de “assegurar que ninguém desconheça esta doença, promovendo um maior acolhimento e compreensão entre os doentes e os profissionais de saúde”. A ideia é também ter lado a lado na sala de aula médicos, estudantes de medicina e também doentes com fibromialgia.
Como surgiu a ideia de realizar um curso sobre “os avanços na fibromialgia”?
A ideia partiu da Academia Portuguesa de Fibromialgia, da qual sou presidente, e tendo em conta o “lema” da mesma que é “DOCENDO DISCIMUS”, ou seja, “ENSINANDO APRENDEMOS”, quisemos fazer um curso para aprender e atualizar-nos, a todos, sobre a fibromialgia, tanto pessoal da área da saúde, como doentes.
Com que apoios contou para a sua realização?
O projeto, cuja idealização partiu da Academia, foi proposto à direção da Associação de Socorros Mútuos Mutualista Covilhanense, onde está instalada a primeira Unidade de Fibromialgia do país, na pessoa do Dr. Nelson Silva, que considerou, desde logo, uma ideia maravilhosa. De seguida, com esse aval positivo, direcionámo-nos para a Universidade da Beira Interior (UBI), onde encontrámos uma extraordinária compreensão e entusiasmo no que concerne às mais altas autoridades académicas: o Excelentíssimo Reitor Prof. Mário Raposo, o presidente da Faculdade de Ciências da Saúde, Prof. Dr. Miguel Castelo-Branco e o Professor Emérito José Martinez de Oliveira. E claro, como sempre, desde o início, contamos com o apoio da Câmara Municipal da Covilhã e da União das Freguesias da Covilhã e Canhoso, que sempre nos apoiam e incentivam a continuar este trabalho.
O que levou a pensar fazer este curso sobre “os avanços na fibromialgia”?
Como já referi, acreditamos que “ENSINAR É APRENDER” e apercebemo-nos, também, de que existe um grande desconhecimento acerca dos fundamentos científicos desta doença, tanto por parte do pessoal de saúde como por parte dos próprios doentes e das associações de doentes. Vimos, assim, a necessidade de atualização dos nossos conhecimentos em benefício dos doentes, que são o “leitmotiv” do nosso compromisso profissional e ético.
Que estratégia pedagógica adoptou para realizar este curso?
O ponto de vista unicausal já está obsoleto, hoje em dia o modelo que se estuda é o modelo policausal ou também chamado global, por isso, a fibromialgia é abordada não de uma perspetiva única, no que diz respeito à dor, mas de todos os ângulos possíveis. Para compreender a fibromialgia é necessário conhecer muitos campos científicos, por exemplo, o microbioma, a neurotransmissão, a neuromodulação, a teoria geral dos sistemas, a homeostase, o stress, a psicossomática, a fadiga crónica, a disautonomia, etc. Por outras palavras, a fibromialgia não pode ser compreendida e, portanto, tratada adequadamente sem um modelo baseado na teoria da complexidade dos sistemas biológicos.
Porque é que o curso, além da fibromialgia, incide também sobre a síndrome da sensibilidade central e da disautonomia?
Porque a fibromialgia, a síndrome da sensibilidade central e a disautonomia são uma tríade indissolúvel, a presença das três é a condição “sine qua non” da fibromialgia, andam sempre juntas, é assim que a doença se apresenta, fisiopatologicamente, no organismo e é assim que a podemos entender.
Este é o primeiro curso sobre “os avanços em fibromialgia” que se realiza em Portugal?
Não o posso afirmar com certeza, mas penso que sim. A UBI, aliás, tem sido pioneira em inserir no plano curricular dos alunos de medicina estas três componentes de que estamos a falar, pelo que nenhum aluno pode dizer que não conhece a doença, uma vez que na nossa faculdade é uma cadeira obrigatória.
Considera que os profissionais das diferentes áreas de saúde que frequentarem o curso ficarão com uma melhor compreensão da doença?
É este o nosso objetivo. Ao abordar a doença sob todos os aspetos possíveis (multicausal), conseguiremos, sem dúvida, uma compreensão mais próxima da realidade. Não podemos esquecer que o prémio Nobel da Medicina de 1931, OTTO WARBURG, afirmou que “Não se pode curar o que não se compreende de antemão” e isso vai, sem dúvida, influenciar o diagnóstico e tratamento da fibromialgia.
Os pacientes também poderão frequentar o curso?
Inicialmente, o curso destinava-se apenas ao pessoal da área da saúde, mas, numa reunião posterior, propus que os doentes que quisessem ser formados e aprender sobre a sua doença e o seu sofrimento fossem admitidos no curso. Não podemos excluir os atores principais da fibromialgia que são os próprios doentes. Em suma, eles são os protagonistas.
Quais são os benefícios para os pacientes que frequentam o curso?
Claro que vão beneficiar, porque está demonstrado que o doente que conhece a sua doença, que se preocupa em aprender e compreender o que lhe está a acontecer, a razão dos seus sintomas e do seu sofrimento, é um doente que se cura mais rapidamente, é um doente que acaba por assumir a responsabilidade pela sua própria vida e isso é essencial para a recuperação.
O curso pode ajudar a reduzir o estigma associado à fibromialgia em Portugal e noutros países da europa?
Este é também um dos nossos objetivos. Não podemos esquecer que a doença é estigmatizada porque não é conhecida e sabem o que dizia o poeta espanhol ANTONIO MACHADO: que “O SER HUMANO DESPREZA O QUE IGNORA”. Em suma, à medida que tivermos mais conhecimento, a nossa ignorância diminuirá e seremos menos preconceituosos e deixaremos de estigmatizar e fazer sofrer as pessoas que sofrem de fibromialgia.
Na sua opinião, é positivo para a região da Beira Interior que este curso se realize na Covilhã?
Sem dúvida alguma. Com todas as atividades que têm sido desenvolvidas nos últimos três anos em prol da fibromialgia na Covilhã, podemos dizer que: “COVILHÃ: CIDADE COM A FIBROMIALGIA”.
O curso é financiado pela União Europeia?
O curso é financiado pela União Europeia (NextGenerationEU) no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). É composto por 30 horas (1 ECTS) das quais 25 horas são em sala de aula (presencial ou online) e 5 horas de trabalho individual a realizar pelos alunos. É certificado e existe ainda a possibilidade de atribuição de bolsas de estudo para a gratuitidade do mesmo (de acordo com os critérios de seleção divulgados previamente). As 25 aulas serão lecionadas por 15 professores, todos eles doutorados e seis deles académicos, pelo que se pode constatar o elevado nível científico do curso.
É importante que tenham optado por uma modalidade mista: presencial e online?
O curso será ministrado aos sábados e poderá ser seguido online pelos alunos, o que facilitará muito o acompanhamento e o aproveitamento do mesmo.
Pessoalmente, quais são as suas expetativas sobre o curso?
Espero que todos nós estejamos suficientemente empenhados em aproveitar a grande quantidade de conhecimentos que os professores mais “egrégios” nos vão transmitir e assim podermos compreender a doença e entender o sofrimento das pessoas com fibromialgia e ajudá-las a curarem-se e a serem felizes. Sem esquecer que gostaria que com este curso todo o público, em geral, e os profissionais de saúde, em particular, deixassem de ignorar, desvalorizar, estigmatizar os doentes, e ainda que todos nos tornássemos pessoas mais humanas, fazendo valer o aforismo que afirma que o “HOMEM É O REMÉDIO DO HOMEM”.
Ígor Lopes - colunista da Revista do Villa
Comments