Alex Palmeira e o estonteante universo do visagismo.
Visagismo - Crédito Débora Diniz
Alex Palmeira é cabeleireiro, visagista e também escritor. Mergulhado no mundo da beleza, conquistou espaço no teatro cuidando pessoalmente da caracterização de personagens. Tornou-se amigo de grandes estrelas e hoje cuida pessoalmente de seus looks. Ah, e faz do mundo das noivas algo especial para ambos!
Confira a entrevista que o profissional concedeu à Revista do Villa e veja o quanto podemos transformar clientes em eternas amigas, levando-as conosco para a vida toda.
O universo dos cabeleireiros é, digamos assim, o alicerce da sua trajetória. Quando foi que despertou em você a vontade lidar com cabelos, maquiagem e coloração?
Digamos assim: eu era criança e amava ver novelas e filmes e sempre aquilo me deslumbrada muito. Lembro minha tia Helena me levando para ver o ‘Holiday on Ice’, onde tinha o La Traviata. Aquilo me encantou, e minha mãe sempre muito vaidosa também... ou seja, ver aquelas maquiagens era para mim um sonho. Eu sabia que era isso que eu queria. Mas, na verdade, as coisas aconteceram mesmo por conta do destino. Tive um grande amigo, o Laurentio Igrejas, um grande maquiador. Ele foi a primeira pessoa a me apoiar na vida. Sou muito grato ao Laurentio! Pena ele não está mais aqui neste mundo pra me ver. Ele teria muito orgulho de mim!
Você se especializou no universo das noivas, ficando inclusive famoso e fazendo diversas capas de revistas. Como se diferenciar num nicho tão concorrido?
As noivas! Tão divinas e tão sensíveis! Costumo dizer assim. Eu era criança e me encantava de ver os véus no vidro do carro e as latinhas amarradas. Era realmente assim (risos)! Sabe, elas, as noivas, vieram de boca em boca. Acabei fazendo várias revistas e fui considerado o ‘Mago das Noivas’. Lógico que fico lisonjeado com tudo isso, pois não tive pretensão e não tenho ego. A única coisa que me importa é elas olhando e sorrindo para mim. Tanto a noiva quanto a sua família espera por esse momento. E tenho que fazer o meu trabalho com amor e alegria.
O mundo feminino abraçou você, principalmente pelo seu talento e vocação. Estar ao lado das mulheres aguçou, de certa forma, o seu trabalho como transformista?
Pois é, mais uma vez o Lauro na minha vida e história! Foi ele! Certo dia estive na Boite 1140, eu tinha 18 anos. Era um domingo e, então, ei que começou um show com Lorna Washington. Nossa! Fiquei tão hipnotizado com tudo aquilo! Era ali no palco, era ali que eu queria estar. Falei para o Lauro: “Amigo, eu quero fazer isto!” (risos). Tempos depois, teve o aniversário de um outro amigo e eu confeccionei um vestido marrom (risos). Lauro me maquiou, me penteou e fiz o show. Quando terminei, a Lorna me disse assim: “Quero você no meu elenco!” Olha o destino aí de novo! Não pensei duas vezes, subi no palco e, para minha surpresa, comecei a ganhar todos os concursos de dublagem do Rio de Janeiro. Acho eu sou o único que recebeu todos os títulos. É uma história que ficou para trás, mas sempre inspirado nas mulheres. Rita Hayworth era minha inspiração, e a Cláudia Ohana também.
Alex Palmeira -(foto Débora Diniz) / com Aisha Jambo e com Clara Santhana (Arquivo Pessoal)
Você chegou a ganhar diversos prêmios com as performances. Existe uma personagem única nessa trajetória ou foram várias? Quem era ou quem eram elas?
Tive dois números muito importantes: um era uma boneca que fazia vitrine viva com a música ‘Wuthering Heights’ da Kate Bush. E a outra era ‘Comme d'habitude’ da Mireille Mathieu. Eram sempre pedidas! Realmente, era lindo, um trabalho de estudo em movimentos, criatividade e dublagem com respiração. Tanto que fazia em todas as boates do Rio. Inclusive fiquei em cartaz na peça “Eles Juram que São Elas”, com a direção de Clóvis Gierkans, um grande diretor que valorizava os transformista e atores da época, como eu.
Lidar com a beleza das mulheres te levou a patamares gigantescos, como ser visagista em shows memoráveis. Sito aqui o ‘Mandou me Chamar’ da Zezé Motta, e mais recentemente o visagismo do desfile da Ana Botafogo, dentre outros. Como é criar todo esse contexto, valorizando ainda mais a beleza de um rosto?
Criar a beleza de uma caracterização requer estudo do personagem, da época, da proposta. Tudo tem que ser bem avaliado, as escolhas dos cabelos ou perucas, a maquiagem. Para cada tipo de projeto existe um ‘porém’. É, na verdade, um ‘porquê’. Por exemplo: não dá para colocar um item moderno em uma peça que se passa em 1920. Ou seja, a gente tem de estudar aquela década. É um trabalho sério, temos que recriar o cenário dentro da linguagem perfeita para não ter erro, temos que passar a verdade de uma forma sutil. O público precisa ser surpreendido. O papel de um visagista é primordial em qualquer trabalho, seja ele cênico ou visual, ou até mesmo audiovisual. A construção tem que ser linear, é por aí! Mas, olha só: eu já ouvi falarem para mim: “Você não é essencial, não é o principal para estar dentro do crédito.” Pois é! E o que é um trabalho sem a arte de transformar?
Hoje você está como consultor cultural e visagista da peça ‘A Vedete do Brasil’, com a Suely Franco e grande elenco. De quem partiu o convite e quais foram as principais pesquisas para retratar uma época tão deslumbrante?
Ah, esta parte é um presente! Que linda pergunta! Eu estava fazendo a make da Zezé Motta em sua casa para o livro que vai retratar a vida dela e é escrito pelo Cacau Hygino. Sentado no sofá, por algum motivo, falei o nome da Virgínia (Lane). E veja só: o Marcus Montenegro havia sido empresário dela. Daí, saiu a ideia do espetáculo, pois a própria Virgínia me pedia para não ser esquecida. E Cacau, hoje um dos maiores escritores de biografia e de peças sobre famosas, me ligou e eu comecei a contar tudo para ele e pesquisar (risos). Enchi o escritor de informação e quase o deixei louco. Ele e a Renata Mizhari escreveram “A Vedete do Brasil” e eu fico honrado com tudo isso. Eu fui visagista e figurinista de algumas roupas da Virgínia, inclusive a que ela usou no Réveillon de 2000 no Copacabana Palace. Cuidei dela por muito tempo, até a última maquiagem da Virgínia eu fiz, isso com ela morta no caixão. Momento surreal de amor, amizade e saudade.
Aisha Jambo (fot de Jhonnie) / Françoise Forton (foto de Janderson Pires) / Flávia Monteiro (foto de Thainá Fotos)
Como você mencionou, Cacau Hygino e Renata Mizhari assinam a dramaturgia do espetáculo. Claudia Netto estreia na direção. O musical retrata a vida da saudosa Virgínia Lane, que foi sua amiga. Como é entregar aos palcos algo que, de certa forma, você vivenciou com as histórias contadas pela própria Virgínia?
Viver essa história é mágico, já que eu sou um personagem na peça. E cuidar de Suely Franco, Flávia Monteiro e Bela Quadros, nossa, foi uma construção muito incrível. E a direção da Cláudia Netto foi essencial. Ela, um dia, disse nos ensaios: “Essas mulheres abriram caminhos para estarmos aqui. Então, entregaremos uma peça espetacular para agradecer a memória delas!” E foi assim que aconteceu! Hoje elas são um pedaço de mim, amigas da minha vida pessoal e profissional. E tudo isso devo à Virgínia, pois sei que, onde ela está, segue muito feliz!
Outros espetáculos contam com a sua participação, como o ‘I Feel Love – Um Tributo a Donna Summer’ que tem a Gottsha no papel principal e você assina o visagismo, e o musical ‘Deixa Clarear’ sobre a vida de Clara Nunes, com a Clara Santana e do qual você faz a maquiagem. Como é ser abraçado pelo teatro?
O teatro é mágico! A magia acontece porque os deuses tomam conta. Eu me sinto feliz e privilegiado por cuidar das meninas, fazer o visagismo da Gottsha, de quem eu era fã, e fazer as makes da Clarinha. Poxa, a energia é límpida, estamos ali como amigos e profissionais por uma única verdade: fazer arte e levar alegria e cultura para nossa gente, porque como diz meu amigo Marcus Montenegro: “A arte educa!”
Você continua ao lado da Zezé Motta, Suely Franco e ainda faz o visagismo da Aisha Jambo. Em sua opinião, o trabalho pode se transformar em amizades eternas?
A Zezé é como se fosse uma mãe para mim. É uma amiga, querida, e eu corto o cabelo dela. A Suely Franco eu cuido na vida pessoal e na personagem que ela vive no espetáculo ‘A Vedete do Brasil’. Ela também é como uma mãe. A amizade pode durar uma vida toda, pois isso aconteceu com várias, inclusive posso citar a Virgínia Lane, de quem eu cuidei como visagista e figurinista até o último dia dela aqui na Terra. E tem a Aisha, de quem sou coach e a ensaio para seus personagens. Também sou cabeleireiro e maquiador dela, faço coloração, tudo! Ela é minha amiga de vida. Posso citar a Clara Santana, outra amiga pessoal que inclusive a arrumei quando foi se casar, a Narjara Turetta, são muitas. Tem a Flavinha Monteiro, que se tornou minha amiga amada. Adoro fazer o visagismo dela! Tem a Gottsha, outra amiga amada. Adoro brincar de boneca, e ela diz assim pra mim: “Faça o que quiser. Confio em você!”. O cabeleireiro e visagista, com as mulheres, acaba se tornando íntimo, confidente, um profissional que elas querem do lado. Vai além do dinheiro, entra na credibilidade que o cliente tem com o profissional e vice-versa. Tenho clientes com mais de 30 anos, e que se tornaram amigas, família de verdade! Costumo dizer que minha família são minhas amigas e clientes.
Você está viabilizando alguns projetos em São Paulo e Rio de Janeiro. Poderia nos adiantar quais são eles?
Bom, São Paulo é um bom ponto cultural e o Rio também. Estou buscando levar minha arte a outros lugares. Temos que ser camaleões, e quem faz arte é assim mesmo, não para. Eu estou desenvolvendo um programa onde apresentarei os bastidores dos teatros, e com aqueles que não aparecem em cena, mas que fazem tudo acontecer, além de entrevistas como público e artistas. Lançaremos no final de julho. Já estamos gravando, eu com uma equipe incrível, figurino do Adilson Salu, na parte de filmagem o Waltinho Eduardo, e Thainá na arte. Minha direção fica por conta da atriz Aisha Jambo, via produtora Aisha Produções Artísticas.
As aulas de caracterização para alunos de teatro também são parte dos seus projetos. Como está sendo para você passar por esse processo como docente, ou seja, mergulhar na arte do ensinar?
Essas aulas de caracterização para alunos de artes dramáticas são importantes, pois o conhecimento da preparação dos elementos cênicos do visagismo é algo que irá acontecer dentro da profissão. E aprender isso não deixa o artista no escuro. Você cria e recria a arte. Sempre dei aula de maquiagem e fico muito feliz por saber que vários alunos, hoje em dia, têm esta profissão. Devemos passar SIM o nosso legado aos outros. A vida é um ciclo e deixar nossa essência é mágico!
Apesar da agenda lotada, o universo das noivas nunca te deixou. Por quê?
O universo noivas é meu legado de vida! Quando eu arrumo uma noiva é como se eu estivesse próximo de Deus, pois estou fazendo parte de uma transição de vida dessas meninas que entrarão em uma outra etapa da vida, ou seja, virão os filhos etc. Para vocês verem, eu já arrumei mãe e filha juntas (risos). Isso se chama confiança no meu trabalho. Para mim é uma honra, este é o meu legado!
Seu foco hoje é a caracterização e a escrita criativa. Ou seja, você também escreve. Em que momento rola o encontro, essa fusão, entre dar vida a um personagem no papel e moldá-lo no visagismo?
Ah, é um momento mágico pra mim! A escrita sai entre pensamentos, reações e o lúdico. O Cacau Hygino me incentivou muito e abriu minha mente para isto. Ele tem um curso incrível e eu o acho um grande escritor. Cacau é humano em tudo o que faz, e eu aprendi muito com ele. Escrever para mim é um ato de FELICIDADE. E tem se tornado algo muito especial escrever e criar no visagismo o personagem que eu mesmo idealizei na escrita criativa. Eu faço uma fusão de emoções. e posso falar a verdade? Isto se chama ‘Deus’ dando oportunidade ao talento, dizendo: “Vai, não tenha medo! Você consegue!” A arte está em tudo, em todos, em cada movimento e em cada lágrima ou sorriso. Viva a arte!
Algum agradecimento?
Sim, a todas essas pessoas que citei, aos meus anjos da guarda Lorna Washington, Virgínia Lane, Beto Carramanhos (visagista), Erik Rzepecki (diretor de make da Rede Globo, in memorin), e à atriz Sandra Barsotti. Foram primordiais em minha vida. Ao Vinícius Belo, pois ele quem me apresentou a Zezé Motta. Se não fosse ele, ‘A Vedete do Brasil’ jamais teria acontecido. É como se ele fizesse a Virgínia me colocar ali, na hora certa, para que eu conhecesse o Cacau.
E gostaria de finalizar com um comentário e um pensamento:
A vedete do Brasil foi um pedido muito especial, pois a Virgínia Lane morria de medo de ser esquecida. Estou muito feliz com este projeto que foi feito pela WB Produções com Wesley Telles e Bruna Dornellas, tendo na direção a Claudia Netto e assistente de direção a Ana Luiza Folly. Na produção Clarice Coelho (que foi essencial), e parabenizar a equipe criativa: Karem Brustolinni, (figurino), Dani Canavellas (corpo), Alfredo del Penho (direção musical), Adriana Ortiz (iluminação), Natália Lana (cenário) e Gabriel D'angelo (som). Também ao Pino Gomes que fotografou lindamente, aos Bernardos, Lúcia, Sílvia, da equipe técnica e camarim! E a todas as equipes que estiveram ali, agradecer ao Teatro do Copacabana Palace e ao Teatro da Faap. Além de todas as equipes física dos teatros.
E um agradecimento especial ao Marcus (Montenegro Talents) que foi empresário e amigo da Virgínia, e à filha da Virgínia, Martha Lane, que foi uma rainha para todos. E finalizando, aos músicos que deram um show!
O pensamento é o pedido realizado de uma amiga. É como estar perto da felicidade!
Xandy Novaski
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