Brasil: Família do compositor português “Ratinho” faz homenagem póstuma ao lançar livro inédito escrito em 2010
- Ígor Lopes
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O livro “Quintais do meu subúrbio”, do poeta, cronista, letrista, compositor e cantor português, Alcino Correia Ferreira, conhecido no meio musical brasileiro como “Ratinho”, foi lançado no último dia 30 de março, na “Toca do Rato”, Rio de Janeiro, Brasil, fruto de uma inciativa promovida, em tom de homenagem póstuma, pela família do compositor. O evento contou com uma Roda de Samba que reuniu diversas personalidades da música.
A obra de 200 páginas, ilustrada, resgata as memórias de infância e adolescência de Alcino, onde há factos sobre “personagens cómicos do tempo do bonde (elétrico), dos jogos de futebol com bola de meia pelas ruas” dos bairros do subúrbio carioca, como Abolição, Engenho da Rainha e Pilares, onde chegou de Portugal, juntamente com os pais, aos quatro anos de idade para viver no Brasil. Ratinho nasceu em Armamar, distrito de Viseu, Portugal, em 1948, e faleceu aos 62 anos, em 2010, no Rio de Janeiro. Nunca chegou a rever a terra natal.
Considerado por especialistas um dos maiores compositores da Música Popular Brasileira (MPB), Ratinho foi celebrado em vida pelas suas marcantes composições no mundo do samba, como “Moça bonita não paga”, cantada no Carnaval de 1982, que levou a escola Caprichosos de Pilares ao primeiro lugar do Grupo 1B. Ao lado de Monarco, Alcino Correia é compositor de “Coração em Desalinho” e “Vai Vadiar”, canções eternizadas na voz de Zeca Pagodinho.
“É o Rio de Janeiro que Ratinho e eu amamos”
O leitor é levado por “Quintais do meu subúrbio” a um passado carioca e suburbano não mais observado entre os jovens de hoje. O jornalista, escritor e compositor Sérgio Cabral, nascido no subúrbio carioca de Cascadura e falecido em 2024, ressaltou que o leitor vai “curtir página por página” a obra de Ratinho.
“É o Rio de Janeiro que Ratinho e eu amamos”, ressaltou o jornalista.
Autor de obras sobre marcantes nomes do samba e da MPB, Cabral destacou “a poesia, a prosa e a história de um Rio de Janeiro tão pouco badalado, distante dos cartões postais, mas não conheço nada mais carioca do que esse Rio de Janeiro de Ratinho”.
“Ratinho vive nos nossos corações”
Em declarações à nossa reportagem, Denize Chacon Ferreira, viúva de Ratinho, referiu, no final do evento, que estava “cansada, mas feliz”.
“Foram dias de luta, preocupação, enfim, para que tudo desse certo no evento. E deu, pois foi mágico viver esse momento que o Ratinho amava, com direito a roda de samba no quintal rodeada de amigos. Foi uma imensa alegria, um misto de dever cumprido e, claro, de saudade, muita saudade. Realizamos o sonho do livro escrito antes de ele partir. O Ratinho vive nos nossos corações”, afirmou Denize Ferreira.
Por sua vez, a filha de Ratinho, Priscila Chacon Ferreira, figura atuante na organização do evento de lançamento da obra, mostrou-se emocionada ao ver a movimentação na “Toca do Rato”.
“O livro foi escrito pelo meu pai, tendo sido finalizado no primeiro semestre de 2010. Como ele veio a falecer nesse ano, o projeto ficou guardado na “gaveta”. O meu irmão, Paulo, já tinha o desejo de publicar a obra, e, assim, fez. Corrigiu e editou. E pediu que eu tocasse o projeto do lançamento. Pesquisei vários locais, quando, de repente, ocorreu-me: porque não fazer a última “Toca do Rato? Não teria lugar melhor para se lançar o livro, sem falar numa roda de samba para atrair o pessoal”, revelou Priscila, que reconheceu que “a vontade de homenagear o meu pai vem de muitos anos, mas, infelizmente, nunca foi possível, porque sabíamos que demandaria muito esforço, principalmente financeiro”.
“Completamente fora da minha “praia” profissional, arrisquei-me a entregar o melhor evento que eu consegui. E deu super certo. Todo mundo foi embora com gostinho de quero mais e pedindo para a “Toca do Rato” não acabar”, relatou.
“contributos à cultura e à música do Brasil”
Na opinião de Abel Luiz, famoso multi-instrumentista, arranjador, compositor, produtor e diretor musical brasileiro, ligado ao mundo do samba, Ratinho, mesmo depois de falecido, tem ainda muitos contributos a dar à cultura e à música do Brasil.
“O lançamento do livro de Alcino Correia, popular compositor Ratinho, foi um misto de celebração, afeto e muita emoção, onde, numa tarde de domingo, passamos ininterruptamente a tocar seis horas de música celebrando a vida e obra deste compositor, que, certamente, é um dos mais importantes e relevantes para a história do samba, com composições eternizadas no Carnaval, no mundo das escolas de samba, no mundo da música popular brasileira, no partido alto, no samba de terreiro, no sambista perfeito, como diz a composição de Arlindo Cruz e Ney Lopes, um sambista que muito fez pela sua classe, que muito fez pelos artistas e pelas escolas onde passou, e que ainda tem muito que ser celebrado, que ainda tem muito que contribuir com as suas obras. Viva Alcino Correia, o nosso queridíssimo Ratinho”, defendeu Abel, que tocou diversas vezes ao lado de Ratinho.
Já Carlos Eduardo Drummond, escritor e compositor brasileiro, também conectado ao mundo do samba, mencionou a imponência do evento, que contou com grandes nomes da música desse país sulamericano.
“Estive na mítica “Toca do Rato”, no bairro de Todos os Santos, subúrbio do Rio de Janeiro, onde o compositor português Alcino Correia costumava reunir amigos e parceiros para produzir obras que depois seriam imortalizadas por grandes nomes do samba carioca. Mas ele também deixou as suas memórias em forma de livro. Convidado pela família, tive a honra de colocar os pés naquele lugar sagrado e cheio de boas energias. Em cada canto, em cada parede, uma lembrança do festejado compositor. Depois do primeiro impacto, e carinhosamente acolhido pela família Correia, provei do caldinho de feijão, abri uma Antártica e me entreguei ao som irresistível que vinha da maravilhosa roda-de-samba comandada pelo músico Abel Luiz. Entre os presentes, estavam o compositor Luiz Carlos Máximo, a velha guarda da Portela, com representantes de peso, entre eles o ex-presidente da agremiação, Luiz Carlos Magalhães, e Carlos Monte, pai da cantora Marisa Monte, além de outros cantores e cantoras importantes, como Marquinho Sathan, Marquinho Diniz, Maytê Correa e Eliane Faria. Uma celebração à altura desse grande compositor. Fui “vadiar” feliz e voltei para casa de alma lavada”, destacou Drummond.
Emoção ao ver o “marco” que este português deixou no universo do samba no Brasil
Claudia Pamplona, presidente da Obra Portuguesa de Assistência do Rio de Janeiro, esteve presente no evento numa tónica de representação da comunidade luso-brasileira, como forma de valorizar o trabalho feito por Ratinho, que carregava no peito o amor pela terra mãe, Portugal, e pelo país de acolhimento, o Brasil, além de manter uma alma carioca como poucos.
“Foi muito emocionante ver o marco que este português conseguiu deixar no universo do samba no Brasil. É importante frisar que, apesar de ser um ritmo popular, o ingresso nesse meio não é fácil e tampouco é fácil fazer parte da história, como o Ratinho faz hoje. Na Toca do Rato vivenciei o legado que o patrício Alcino Correia Ferreira deixou para comunidade luso-brasileira: competência, liderança, amor, solidariedade, confiança e, hoje, muita saudade. Eu chamo de misturinha perfeita: Brasil e Portugal; Samba e Vira, sim senhor. Viva a luso-brasilidade”, comentou Pamplona.
Realização de um sonho
Ratinho, ainda em vida, escreveu, em 1993, o livro “Duas Faces – Fases”, coletânea de poemas, pensamentos, crónicas e pensamentos. Em 2004, inaugurou a “Toca do Rato”, onde reuniu, ao longo do tempo, diversos nomes do samba, além de ser cenário de composição de grandes canções que ganharam o Brasil e o mundo. Em 2007, realizava o sonho de lançar o seu primeiro CD: “O Rato sai da Toca”. Em 2010, escreveu o livro “Quintais do meu subúrbio”, lançado agora, em homenagem póstuma, pela sua família.
Recorde-se que, em novembro de 2024, durante o lançamento do livro “Luso-Brasilidade Musical – A influência da música na ligação Brasil e Portugal”, do jornalista e escritor luso-brasileiro Ígor Lopes, Ratinho, cuja vida e obra estão registadas nesse trabalho, Ratinho foi homenageado nas instalações do Palácio São Clemente, no Rio de Janeiro, residência oficial da Cônsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro, e diante de autoridades, como o deputado luso-brasileiro Flávio Martins, que atua na Assembleia da República portuguesa, bem como de Gabriela de Albergaria, cônsul portuguesa na cidade maravilhosa.
Nessa mesma ocasião, Priscila e Denize receberam um diploma da Academia de Filosofia e Ciências Humanísticas Lucentina pelos serviços prestados em prol da cultura e das relações entre os dois países.
Ígor Lopes

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